A arquitetura vernacular é um conceito complexo, que pode ter diferentes entendimentos a depender de onde estamos situados, e está presente em tipologias arquitetônicas variadas. Ela é profundamente conectada às suas raízes e seu local de origem, elementos que são definidores de muitas de suas características, a partir de aspectos específicos como cultura, clima, topografia, vegetação e da disponibilidade de materiais e recursos em cada região. Suas construções também costumam estar atreladas às técnicas construtivas tradicionais de cada lugar, que foram elaboradas e desenvolvidas pelas populações, num panorama histórico mais amplo, a partir dos recursos que dispunham à mão.
Sendo uma das manifestações mais antigas da arquitetura, em sua função primordial de abrigar e proteger o ser humano dos perigos externos, assim como comportar suas atividades cotidianas, a habitação, entendida maneira mais ampla e profunda, se relaciona intimamente ao que se convencionou chamar de arquitetura vernacular, uma vez que essas construções costumaram ser elaboradas a partir dos recursos encontrados com maior facilidade em cada região. A oca indígena brasileira, o hanok coreano ou os iglus das regiões polares, são alguns exemplos de habitações vernaculares profundamente relacionadas à seus locais de origem, sobretudo em suas características geográficas e climáticas.
Mas apesar de, normalmente, aparecerem atreladas à construções arquitetônicas mais antigas e tradicionais, como os exemplos citados anteriormente, muitas das técnicas empregadas nessas edificações foram sendo aprimoradas ao longo do tempo, repensadas e incorporadas à novas tecnologias, ao ponto de já existir o termo vernacular digital, para referir-se à algumas dessas iniciativas. O estudo das técnicas tradicionais, como vislumbrados na arquitetura vernacular, pode trazer diversos benefícios aos projetos contemporâneos, uma vez que essas construções, em seus estudos e especificidades regionais, podem ser referências importantes no que diz respeito ao uso de elementos e técnicas que tragam maior economia e sustentabilidade aos projetos, aspectos fundamentais nos dias de hoje, sobretudo diante da crise ambiental que temos enfrentado.
Esse compromisso torna-se ainda mais relevante no âmbito residencial, uma vez que um projeto nesses parâmetros construtivos costuma fomentar uma melhor qualidade de vida aos usuários que dele usufruem, sobretudo em suas relações com o meio natural. Ademais, com a crise habitacional que vivemos nas mais diversas cidades, repensar técnicas e elementos construtivos habitacionais sob espectros mais sustentáveis é um imperativo à arquitetura residencial, em seu compromisso com a sociedade.
Uma série de itens como pátios internos, muxarabis, coberturas de palha, construções feitas com terra ou bambu, são alguns exemplos de elementos arquitetônicos e construtivos relacionados à práticas mais antigas, sendo vistos em diversos exemplos ao longo da história da arquitetura. Num panorama mais recente, muitos deles foram repensados e incorporados de diversas formas em projetos residenciais, demonstrando não somente a atualidade da utilização dessas técnicas, mas também os benefícios que elas podem proporcionar às habitações, ainda nos dias de hoje. Abaixo, selecionamos alguns exemplos de elementos vernaculares que foram reelaborados em habitações contemporâneas, aliando técnica, estética e sustentabilidade a esses projetos.
Terra
Casa CHUZHI / Wallmakes
"Hoje em dia, com as pessoas obcecadas em obter belas vistas panorâmicas e menos preocupadas em como suas casas acabam parecendo monstruosidades não naturais em belas paisagens virgens, nosso conceito foi uma arquitetura de camuflagem, onde os volumes permanecem ocultos e se fundem perfeitamente com a topografia existente. Chuzhi significa na língua malaiala “redemoinho” que no projeto é materializado por "espirais de vigas" feitas com um composto de terras e detritos pré-moldados, formadas a partir de 4.000 garrafas plásticas descartadas e fixadas em torno das três grandes árvores de tamarindo no local. A ideia era criar uma casa subterrânea que se originaria do leito rochoso, formando vários espirais ao redor da árvore unidos para criar um espaço privado seguro abaixo para os residentes e um espaço ao redor das árvores acima o qual garante que a densa vegetação e o ecossistema sejam preservados"
Pátio Interno
Casa Carvalho 3.6 / Pothe.arquitectura
"Esta casa é o resultado de um trabalho inspirado nas distribuições espaciais e materiais das antigas residências regionais e no retorno do pátio como elemento para atividades recreativas e sociais. O pátio como conceito principal da casa foi a diretriz do projeto, mas o verdadeiro desafio foi levar esse espaço além do planejado [...] A casa parece contemporânea mas, ao mesmo tempo, de outra época, essa sensação é fruto de acabamentos que buscam a materialidade do espaço mexicano. O piso que reveste o pátio é composto por peças cor-de-rosa típicas da região, um material que claramente emula um pátio antigo e que tem a particularidade de ser modificado com o tempo, gerando uma fonte mais profunda de beleza aliada à imperfeição"
Muxarabi
Casa Muxarabi / Sidney Quintela Architecture + Urban Planning
"Das soluções sustentáveis, a casa possui iluminação e ventilação natural cruzada, o que possibilita um baixo consumo de energia e conforto térmico. A utilização de muxarabis objetiva controlar a incidência solar na edificação, permitindo um clima agradável no interior da residência. As texturas e revestimentos trazem personalidade. A madeira ipê foi escolhida como principal material, utilizada em diferentes formatos: muxarabi nas esquadrias, ripado no forro, lambri no deck e até mesmo lisa nos painéis recolhiveis de fechamento da cozinha. [...] Este projeto dialoga com o estilo de vida da família, todos os detalhes foram pensados e discutidos com os proprietários, respeitando a arquitetura do entorno direto, o meio ambiente e as proporções que o terreno ofereceu"
Palha
Casa no Penhasco / Zozaya Arquitectos
"A casa tem como conceito a ideia de oferecer luz aos pescadores que navegam diariamente, desenvolvendo-se como um elemento que emerge das rochas, centrado na preservação do local, integrando-se ao contexto graças à materialidade local e às formas erguidas por meio de técnicas artesanais da arquitetura vernacular [...] Adentra-se à casa diretamente pelo nível superior, onde não existe porta de acesso e sim uma grande cobertura de palha que abriga a área social totalmente exposta ao Pacífico e às falésias circundantes. Este espaço é composto por materiais regionais como pedra, madeira e folhas de palmeira. Construído por mão de obra local, sua forma permite o uso de luz natural e ventilação cruzada reduzindo o consumo de energia. Como arremate, uma piscina infinita é parcialmente anexada à estrutura principal, gerando uma conexão direta com o mar"
Bambu
Sharma Springs / IBUKU
"Sharma Springs foi projetada como um refúgio na selva. É um edifício construído quase que inteiramente em bambu, possui seis pavimentos, 750 m² e quatro dormitórios com vistas ao vale do rio Ayung. A entrada dramática acontece através da ponte/túnel que leva diretamente a um espaço ao ar livre; refeitório e uma cozinha no quarto pavimento. [...] Serralheiros construíram as cabines de ducha, enquanto um grupo de talhadores de pedra trabalharam nos interiores. A equipe desenhou cada elemento e mobiliário. Os jardins, por sua vez, foram pensados seguindo os princípios da permacultura"
Os trechos acima foram extraídos dos respectivos memoriais dos projetos.
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